Original Recibido: 17/05/2023 │
Aceptado: 15/08/2023
Lev
Pavilovch Matveev: a contribuição da carga de treino para a periodização
esportiva
Lev
Pavilovch Matveev: the contribution of the training load to the sports
periodization
Nelson
Kautzner Marques Junior. Mestre em Ciência da Motricidade Humana pela UCB. RJ.
Brasil. [kautzner123456789junior@gmail.com]
Resumo
O
objetivo da revisão foi de explicar como Matveev elaborou o conteúdo da carga
de treino para a periodização esportiva. O capítulo 1 apresenta a vida
acadêmica de Matveev e informa alguns conteúdos que ele criou para a sua
periodização. O capítulo 2 informa como Matveev embasou cientificamente a carga
de treino da sua periodização. Em conclusão, o entendimento científico sobre a
carga de treino é fundamental para prescrever o treinamento.
Palavras Chave: periodização;
esporte; treino; carga de treino.
Abstract
The objective of
the review was to explain how Matveev developed the training load content for
the sports periodization.
Chapter 1 presents Matveev's academic life and informs some content that he
created for his periodization. Chapter 2 informs how Matveev scientifically
based the training load of the his periodization. In conclusion, the scientific
understanding of the training load is fundamental to prescribe training.
Keywords:
periodization;
sport; training; training load.
Introdução
O russo Lev Pavilovch Matveev
nasceu em Moscou, em 22 de agosto de 1924, no tempo da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS) (Bokan, 2010). Ele era filho de um integrante do
exército vermelho, Pavel Denisovich Matveev, seu pai foi preso em 1937 e
desapareceu em 1939 por causa repressão stalinista (Vinogradov, 2021). A sua
mãe era Anna Sergeevna Matveev, morreu em 1943, o motivo não foi informado,
talvez faleceu por causa da 2ª Guerra Mundial (2ª GM). Matveev foi incentivado
pela família em praticar esportes, sendo atleta na juventude de ginástica,
ciclismo e de tiro (Museu Histórico e do Esporte, 2021; Vinogradov, 2021).
A 2ª GM iniciou em 1939, em 1942
quando tinha apenas 18 anos, Lev Matveev
trabalhou na artilharia do exército vermelho, sendo chefe do treino físico
da brigada de artilharia de Dnepropetrovsk (Museu Histórico e do Esporte,
2021). No período de 8 de setembro de 1941 a 27 de janeiro de 1944, ocorreu o
cerco de 900 dias dos nazistas e dos seus aliados à cidade de Leningrado
(atualmente é a cidade de São Petersburgo) que pertencia a Rússia Soviética
(Pitillo, 2015). Matveev lutou na Batalha de Leningrado e veio ser ferido por
duas vezes, recebendo condecorações militares e as medalhas por bravura (Museu
Histórico e do Esporte, 2021; Bokan, 2010).
Após a Revolução Russa de 1917 que
a periodização esportiva começou a ser aperfeiçoada porque diversos russos
realizaram sucessivas pesquisas que possibilitaram a criação de diversas
concepções de periodização (Marques Junior, 2020; Oliveira, 2008). Isso se intensificou
na URSS após a 2ª GM, vindo migrar para outros países da “cortina de ferro”,
onde culminou com a elaboração de outros tipos de periodização (Bompa, 2002). O
conteúdo da periodização passou a ser linha de pesquisa nas universidades
soviéticas por causa da sua importância para o esporte de alto rendimento
(Marques Junior, 2022). Segundo Verkhoshanski (1996), até os anos 40 a carga de
treino do microciclo da periodização esportiva era prescrito de maneira
empírica. Para solucionar esse problema, a escola socialista do treinamento
esportivo que era liderada pela URSS começou a estudar nos anos 40 e 50 a carga
de treino dos microciclos com o intuito dos treinadores estruturarem melhor
esse componente da periodização (Gomes, 1995). Isso aconteceu principalmente
nos anos 50, foram conduzidos vários experimentos com o objetivo de descobrir
uma melhor maneira de organizar e controlar a carga de treino dos microciclos
da periodização (Verkhoshanski, 1996). Talvez esses acontecimentos tenham
influenciado Matveev em estruturar a carga de treino da sua periodização
tradicional.
A
maioria dos conteúdos da periodização tradicional de Matveev foram estruturados
nos anos 50, quando esse cientista estava cursando o mestrado, nessa época a
fisiologia do exercício, a bioquímica e a biomecânica estavam em formação e
proporcionavam pouco embasamento científico para um pesquisador criar uma
periodização (Verkhoshanski, 2001; Vinogradov, 2021). Apesar desses problemas,
nos anos 50, os conteúdos da fisiologia do exercício da síndrome de adaptação
geral (SAG) e da supercompensação foram utilizados por Matveev para embasar
cientificamente a carga de treino da sua periodização (Stone et al., 2001;
Krüger, 2016). Esse conteúdo e outros que Lev
Pavilovch Matveev elaborou, formaram as bases da ciência do treino esportivo
moderno (Barbanti, 1997). Por esse motivo Matveev foi considerado o pai da
periodização esportiva moderna e pai do treinamento esportivo por causa das
diversas contribuições para o esporte de alto rendimento. Em 21 de julho de
2006, no verão moscovita, Matveev faleceu com 82 anos trabalhando no período da
tarde em seu apartamento (Palomares, 2006).
O objetivo da revisão foi de
explicar como Matveev elaborou o conteúdo da carga de treino para a
periodização esportiva.
Desarrolho
Vida acadêmica de Matveev
Em 1946, Lev Pavilovch Matveev
começou estudar educação física no Instituto de Cultura Física da Rússia com 22
anos, vindo concluir a graduação em 1950 quando estava com 26 anos (Bokan,
2010; Tamarit, 2013; Vinogradov, 2021). Em 1950, Lev Matveev
começou estudar no mestrado da Pós-Graduação dos Estudos do Departamento de
Teoria e Metodologia da Educação Física, onde defendeu a sua dissertação de
mestrado em 1955 aos 31 anos (estudou por 6 anos), que tinha o título de O Treino Físico Completo como
Condição para a Especialização Esportiva, sob a orientação do Professor Doutor
Alexander Novikov (Bokan, 2010; Vinogradov, 2021).
Talvez
esse mestrado tenha ajudado Matveev a construir os conteúdos da sua
periodização porque Verkhoshanski (2001) informou que no ano de 1952, Matveev
aplicou a sua periodização tradicional nos atletas soviéticos para preparar os
esportistas para os Jogos Olímpicos de Helsinque, na Finlândia. Nos Jogos
Olímpicos de 1956 e de 1960 a periodização de Matveev também foi aplicada nos
atletas soviéticos. Outra informação importante, Matveev
consultou o conteúdo de treino dos pesquisadores soviéticos e do finlandês
Pihkala dos anos 30 para criar a sua periodização (Krüger, 2016). Caso o leitor
queira ver esse cientista consulte o linque (https://www.youtube.com/watch?v=rMhfCrBHnJY&fbclid=IwAR3ePfXZ-EIu3FM6YNF5rbrh0mybAj1CgP6NvYm39ypODyCjuEKRYJjXyK8).
No ano de 1964 o cientista Lev
Pavilovch Matveev (ele estava com 40 anos) defendeu a sua tese de doutorado em
Moscou com os resultados dos atletas da natação, do atletismo e do
halterofilismo da URSS dos anos 50 e 60 com a sua periodização tradicional
(Bokan, 2010; Matveev, 1977). O título da sua tese foi o seguinte: Problema da
Periodização do Treinamento Esportivo. Por esse motivo a natação, o atletismo e
o halterofilismo foram as modalidades responsáveis em estruturar a sua periodização.
Uma curiosidade, essas três modalidades que Matveev criou a sua periodização
eram esportes bases da URSS, ou seja, preparavam os atletas soviéticos para
outros esportes ou eles se tornavam esportistas dessas modalidades (Marques
Junior, 2022). Em 1965 a tese de Matveev foi publicada como livro em Moscou e
posteriormente foi traduzida para outros idiomas, proporcionando no
conhecimento da periodização no mundo. A publicação da tese de Matveev como
livro na Espanha aconteceu no ano de 1977, tendo o título de Periodização do
Treinamento Esportivo (Matveev, 1977).
Outra contribuição que Matveev
proporcionou para a periodização foi o estabelecimento da terminologia
macrociclo que constitui todo o conteúdo da periodização (Krüger, 2016). Em
1962, esse pesquisador do treinamento esportivo criou a nomenclatura microciclo
para determinar o ciclo de treino que compreende dois ou mais dias de sessões
(Vargas e La Vielle, 1997). Nos anos 60, Matveev elaborou as características
dos ciclos de treino de algumas semanas (Arrese, 2012), vindo a chamar essa
estrutura da periodização de mesociclo depois de 1971 (Krüger, 2016).
Contribuição de Matveev para a
carga de treino
Matveev fundamentou cientificamente
a carga de treino da sua periodização utilizando duas teorias, a SAG e a
supercompensação.
O médico austríaco Hans Selye
(nasceu em 1907 e morreu em 1982) foi influenciado pelos estudos sobre o
estresse nos seres vivos do fisiologista estadunidense Walter Cannon que foram
conduzidos nos anos 20 (Neylan, 1998) e em 1936, ele escreveu o seu primeiro
artigo sobre o estresse (Selye, 1936), vindo denominar anos mais tarde de SAG.
Matveev teve contato com os estudos da SAG nos anos 50 e ele utilizou esse
conteúdo para explicar a ondulação das cargas da sua periodização e o efeito
agudo e crônico desse estímulo no atleta (Stone et al., 2001).
Como a SAG se manifesta no atleta
ao ser aplicada uma carga de treino?
Homeostase é o equilíbrio estável
do organismo do atleta com o meio ambiente, podendo ser alterado por causa de
qualquer estresse (carga de treino, calor, frio, emoção etc). Esse termo
homeostase foi proposto nos anos 20 por Walter Cannon (Billman, 2020). Quando o
atleta efetua uma determinada carga de treino ocorre quebra da homeostase
porque o estímulo causou um estresse no organismo do esportista que ocasiona um
certo desconforto. Esse acontecimento é denominado de fase de alarme, sendo a
primeira fase da SAG. Em seguida, conforme o atleta vai se exercitando na
sessão ocorre a fase de resistência onde o organismo se adapta ao estresse
sofrido pela carga de treino e por último, o indivíduo se fadiga vindo
finalizar a sessão, sendo a fase de exaustão da SAG. A figura 1 apresenta o
desenho esquemático que representa a SAG.
Figura
1. Funcionamento da SAG (Adaptado de Marques Junior, 2020).
Os experimentos de Selye sobre a
SAG evidenciaram que o aumento do estresse proporcionava uma maior liberação do
cortisol (Selye, 1936). Esse cientista detectou na fase de alarme uma secreção
do cortisol, na fase de resistência o cortisol mobiliza a degradação de
aminoácidos para reparar o tecido lesado com o intuito do indivíduo continuar a
praticar a tarefa (é a adaptação ao estresse) e na fase de exaustão o nível de
cortisol pode estar elevado para cessar a lesão no tecido, mas costuma ser
inferior ao do esforço físico. O cortisol é um hormônio glicocorticóide que é
secretado pelo córtex suprarrenal que se localiza acima do rim. Esse hormônio é
sensível ao estresse do treinamento, conforme aumenta a carga da sessão são
liberados maiores níveis de cortisol. Portanto, o cortisol explica muito bem a
relação entre carga de treino e o estresse do atleta desempenhado na sessão.
Esse acontecimento da SAG foi
evidenciado em halterofilistas de elite (n = 8, 18,4±0,4 anos) (Fry et al.,
2000). Os atletas realizaram um mesociclo de 4 semanas, ocorrendo um microciclo
em cada semana. Na primeira semana foi realizado um microciclo com alto volume
e nos outros microciclos o volume foi médio. A coleta do cortisol ocorreu no
início e no fim do primeiro microciclo e depois o intuito foi verificar o
efeito acumulado das cargas de treino, onde o cortisol foi coletado no fim do
último microciclo. Os valores do cortisol mostraram que o estresse da carga de
treino foi aumentando ao longo do treinamento periodizado – ver figura 2.
Legenda:
Microciclo da 1ª semana (1º s e último
dia), microciclo da 4ª semana (último dia).
Figura
2. Elevação dos níveis de cortisol conforme o estresse da carga de
treino dos halterofilistas de elite (Dados de Fry et al., 2000 e elaborado pelo
autor).
Como a teoria da SAG fundamentou cientificamente a
carga de treino da periodização de Matveev?
A SAG se manifesta imediatamente
durante a execução do treinamento, ela é uma resposta aguda e crônica do
indivíduo referente o tipo de carga de treino que é aplicada na sessão.
Portanto, sempre vai ocorrer a fase de alarme, a de resistência e a de exaustão
em uma sessão. Porém, conforme o valor da carga de treino, o tempo que o atleta
está fazendo o treinamento, o nível de preparação física do esportista e a
etapa da periodização, a SAG vai responder diferente no indivíduo.
Matveev (1997) informou que a
prescrição da carga de treino pode ser retilínea, escalonada, mas a carga que
costuma predominar na sua periodização é a ondulada porque na estruturação
dessa concepção apresenta ondas pequenas (são os microciclos), ondas médias
(são os mesociclos) e ondas grandes (são os períodos).
Essa onda pequena é apresentada em
um exemplo. Uma equipe de voleibol realizou por duas semanas o microciclo
choque com exercícios de musculação de força rápida de resistência e de força
reativa (é mais conhecido por pliometria). Na terceira semana o time realizou
dois jogos, um na 4ª feira e outro no domingo, ocorrendo o microciclo
recuperativo. Na quarta semana os voleibolistas retornaram a fazer o microciclo
choque com os mesmos exercícios das duas primeiras semanas. Esse exemplo
ilustra as ideias de Matveev (1997), ocorre uma ondulação da carga para os
esportistas suportarem o estresse do treino, sendo ilustrado na figura 3.
Legenda:
Ch – choque, 1ª s – 1ª semana e R – recuperativo.
Figura
3. Ondulação da carga de treino com a concepção de Matveev (Exemplo fictício
elaborado pelo autor).
Nesse exemplo da figura 2 a SAG vai
se comportar diferente nas 4 semanas porque conforme o atleta se adapta ao
estresse da carga de treino as três fases da SAG vão se manifestar diferentes
por causa dos mecanismos psicofisiológicas realizados pelo atleta. Essa
adaptação da SAG ao estresse da carga de treino foi proposto em 1959 pelo russo
Prokop (Viru e Viru, 2003).
As duas primeiras semanas do
exemplo da equipe de voleibol os jogadores realizaram um microciclo choque e as
fases da SAG (alarme, resistência e exaustão) foram com alta resposta por causa
do alto estresse do treino. A terceira semana a equipe de voleibol realizou um
microciclo recuperativo, tendo alto estresse nos jogos e baixo estímulo no
treinamento, então a SAG se comportou com média resposta. A quarta semana a SAG
foi alta porque foi realizado um microciclo choque, mas com valores da SAG
menores do que as duas primeiras semanas porque o indivíduo ficou adaptado ao
estresse da carga, onde os exercícios e a carga são similares ao da 1ª e 2ª
semana.
Os valores em percentual da carga
para os voleibolistas são a carga externa e a SAG corresponde a carga interna.
A carga externa são os conteúdos prescritos no treino que são fáceis de ser
mensurados e a carga interna são as reações psicofisiológicas do organismo do
atleta que responde ao estresse causado pela carga externa. Então, aplicando as
informações da carga interna e da carga externa no exemplo da equipe de
voleibol a resposta dos jogadores ficou a seguinte em cada semana – os dados da
figura 4 são fictícios. Veja como se comporta a ondulação da carga pela concepção
de Matveev.
Figura
4. Comportamento da carga em 4 semanas em uma equipe de voleibol (Exemplo
fictício elaborado pelo autor).
As adaptações da equipe de voleibol
ao estresse da carga de treino do microciclo choque das 3 semanas com treino
similar desencadeou respostas diferentes da SAG, essas informações foram
expostas na figura 5 – exemplo fictício. Para entender o desenho esquemático da
SAG nos três microciclos choques, na fase de alarme quanto mais baixo estiver a
curva maior é o estresse da carga de treino na resposta psicofisiológica do
indivíduo. Na fase de resistência ocorre o contrário, a curva mais pronunciada
para cima corresponde um efeito mais “agressivo” da carga de treino nessa fase
da SAG. Por último acontece a fase de exaustão com leitura da curva da SAG
igual à primeira fase, quanto mais para baixo ela estiver maior é a fadiga no
esportista.
Figura
5. Comportamento das fases da SAG de três microciclos choques de uma equipe de
voleibol (Exemplo fictício elaborado pelo autor).
Portanto, a ondulação da carga de
treino da periodização de Matveev (1997) baseada na SAG está relacionada com a
resposta psicofisiológica do atleta ao sofrer o estresse do estímulo (é a
carga). A SAG informa sobre a resposta aguda e crônica do esportista ao ser
submetido uma carga de treino e é útil para nortear a ondulação das cargas.
Entretanto, apesar da literatura do treino esportivo atribuir a Matveev o uso
da SAG para fundamentar cientificamente a ondulação da carga de treino e o
efeito agudo e crônico desse estímulo (Stone et al., 2001),
parece que esse cientista nunca usou esse conteúdo na carga de treino da sua
periodização. Matveev fez
um questionamento sobre a SAG, segundo esse cientista não foi bem justificada
por Prokop usar a SAG para explicar a ondulação das cargas de treino porque
observar o desenvolvimento do estado de treinamento pela SAG sem estar presente
o volume e a intensidade torna-se inadequado aplicar esse conteúdo para
fundamentar cientificamente a carga da sua periodização (Matveev, 1977).
A supercompensação é o segundo
conteúdo que Matveev (1997) fundamentou a carga de treino da sua periodização
tradicional. O russo bioquímico Nikolai Yakovlev descobriu o fenômeno da
supercompensação através dos seus experimentos que foram conduzidos de 1949 a
1959. Ele evidenciou em animais o aumento dos estoques muscular de glicogênio e
de creatinafosfato após algumas sessões de treinamento onde na maioria dessas
pesquisas o sujeito costumava realizar um adequado descanso (Viru e Viru,
2003). Para ocorrer a supercompensação é necessário alguns dias de treinamento
acompanhado de uma boa recuperação após o esforço físico para proporcionar um
aumento dos substratos energéticos (glicogênio, creatinafosfato etc).
Posteriormente Yakovlev e outros pesquisadores soviéticos detectaram que o
aumento das reservas energéticas no músculo após algumas sessões ocasionava uma
melhora do desempenho esportivo. Matveev teve acesso a esse conteúdo da
supercompensação nos anos 50, vindo utilizar essa teoria para fundamentar
cientificamente o efeito crônico (de longo prazo) da carga de treino no atleta
que está treinando com sua periodização (Marques Junior, 2020). A
supercompensação explica cientificamente como o esportista pode atingir o pico
da forma esportiva que pode ser detectado por avaliações cineantropométricas e
pelo desempenho na prova do competidor (Matveev, 1977).
O treinador precisa estruturar um
microciclo com adequada combinação de cargas de treino para o competidor
atingir a supercompensação que é o pico da forma esportiva. Por exemplo, um
atleta de salto triplo realizou um microciclo choque de 14 dias com o intuito
de atingir o pico da forma esportiva. Nesse microciclo choque foi prescrito
musculação de força rápida pela preparação de força especial e o treino de
força reativa conforme os ensinamentos de Verkhoshanski (2001). A carga de
treino desse exemplo fictício é exposta na figura 6.
Figura
6. Carga de treino do microciclo choque para um saltador de triplo atingir o
pico (Dados fictícios elaborados pelo autor).
O leitor observou na figura 6 que
para o esportista atingir a supercompensação (é o pico) é necessário ocorrer um
acúmulo de cargas de treino por várias sessões com o intuito de gerar uma
adaptação crônica (fisiológica, técnica e tática) no saltador de triplo para
ele obter o máximo desempenho na disputa (é o pico).
A supercompensação só é atingida
pelo atleta com uma minuciosa elaboração da carga de treino, no planejamento da
quantidade de sessões e com uma adequada recuperação do competidor após o
treino para gerar no aumento das reservas energéticas do indivíduo. O
esportista realiza uma carga de treino na sessão que ocasiona degradação (o
catabolismo) dos substratos energéticos que resulta na fadiga no fim do
treinamento (Bompa, 2002). Em seguida, o atleta efetua um descanso com boa
alimentação para proporcionar restauração das vias energéticas (é o anabolismo)
que foram utilizadas no treino. Esse processo de recuperação da fadiga da
sessão também pode ser chamado de compensação. Quando esse estímulo ocorre em
várias sessões acompanhado de adequado descanso, o organismo do esportista
aumenta os valores dos substratos energéticos e proporciona na supercompensação
que resulta em uma melhor performance (Matveev, 1997).
O acontecimento fisiológico da
supercompensação costuma ser evidenciado em diversas pesquisas em seres
humanos). O estudo de Hingst et al. (2012) recrutou homens saudáveis de 26±3
anos. Os sujeitos realizaram extensão unilateral do joelho em uma cadeira
extensora adaptada para a investigação por 2 horas e 30 minutos com cargas de
10 a 100%. Depois os sujeitos descansaram por 4 horas e no período de 2 horas
foi inserido um cateter na veia femoral de ambas as coxas do sujeito para
verificar a captação de glicose estimulada pela insulina. Próximo do término
das 2 horas, foi realizada uma biópsia do músculo vasto lateral para detectar o
nível de glicogênio muscular. Todos esses procedimentos foram efetuados
novamente no 2º dia de treino, no 3º e 4º dia os sujeitos descansaram e no 5º
dia de treino foi realizado o mesmo exercício e a mesma coleta de dados. Os
resultados dos três dias de treino com dois dias de recuperação proporcionaram
na supercompensação, sendo exposto na figura 7.
Figura
7. Nível de glicogênio muscular da coxa com a resposta fisiológica da
supercompensação no 5º dia (Adaptado de Hingst et al., 2012).
Conforme o tipo de treino (força,
velocidade, aeróbio, técnica etc) o treinador precisa estar preocupado com o
heterocronismo da adaptação do estímulo de treino e com o heterocronismo da
recuperação do treinamento para o esportista atingir uma adequada
supercompensação que leva o atleta ao pico da forma esportiva. O heterocronismo
da recuperação já era informado nos anos 30 (Vargas e La Vielle, 1997) e o
heterocronismo da adaptação recuperação não foi encontrado na literatura.
Heterocronismo significa a não simultaneidade.
O heterocronismo da adaptação o
pesquisador Matveev já informava em 1965 preocupado com a supercompensação
(Matveev, 1977). Por exemplo, o tempo de evolução da força rápida de
resistência é de 4 a 5 meses de sessão e da condição aeróbia é de 15 dias a 2
meses de treino. Essas duas capacidades motoras condicionantes possuem
significativa adaptação fisiológica no atleta em tempos diferentes (é o heterocronismo
da adaptação) e o treinador precisa estar ciente sobre isso quando elaborar as
cargas de treino e o tempo de sessão da periodização para o esportista atingir
o pico dessas duas capacidades motoras (força rápida de resistência e condição
aeróbia) na competição alvo da temporada. O heterocronismo da recuperação serve
para o treinador ajustar com mais precisão as cargas dos microciclos para
programar a adequada recuperação das capacidades motoras treinadas no atleta
antes da competição ou para evitar um treino muito extenuante que leve o
esportista ao sobretreinamento.
O heterocronismo da recuperação
Matveev já chamava atenção em 1977 com o intuito de ocorrer uma boa organização
da carga de treino para proporcionar o pico da forma esportiva (Matveev, 1991).
Por exemplo, um treinador de futebol realizou um treino de jogo na 5ª feira e
na 6ª feira e no sábado os jogadores não treinaram para acontecer total
recuperação dos esforços dos treinamentos com o intuito de proporcionar
supercompensação dos futebolistas no jogo de domingo. Baseado no heterocronismo
da recuperação os futebolistas descansaram por 2 dias porque o treino de jogo é
necessário 1 dia (24 horas) de pausa passiva, a força rápida de resistência
requer 2 dias (48 horas) de descanso e a condição aeróbia e anaeróbia se
recupera em um período de 1 a 2 dias (Barbanti, 1997). Portanto, o
heterocronismo da adaptação e o heterocronismo da recuperação são importantes
conteúdos para o treinador planejar a carga de treino dos microciclos e ajuda o
responsável pela sessão estabelecer o momento que o atleta poderá atingir o
pico da forma esportiva que é a supercompensação em condições ótimas.
A carga de treino utilizada na
periodização tradicional de Matveev são diluídas, também podem ser chamadas de
distribuídas ou regulares. As cargas regulares na periodização de Matveev são
aplicadas de maneira uniforme porque diversas capacidades motoras costumam ter
similar atenção nos períodos do treino ou de acordo com a necessidade do
treinador (Oliveira, 2008). A estruturação de diferentes capacidades motoras em
um microciclo ocasiona o treino concorrente, podendo ser negativo para a
adaptação fisiológica do atleta. Por exemplo, o trabalho aeróbio na mesma
sessão do treino de força em vários microciclos costuma interferir na melhora
da força.
Conclusões
Matveev pesquisou por toda vida a periodização
esportiva, vindo criar uma concepção de periodização nos anos 40 a 70 que é
usada até nos dias atuais. Para esse pesquisador fundamentar cientificamente a
carga de treino da sua periodização, ele usou a supercompensação para entender
o mecanismo fisiológico do pico da forma esportiva. A SAG parece que Matveev
nunca aplicou essa teoria na sua carga de treino, inclusive ele não mencionou
esse conteúdo nos seus livros de treino esportivo (Matveev, 1977, 1991, 1997).
Porém, para o treinador estruturar com qualidade a carga de treino é necessário
o conhecimento do heterocronismo da adaptação e do heterocronismo da
recuperação. Em conclusão, o entendimento científico sobre a carga de treino é
fundamental para prescrever o treinamento.
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