Neurociência aplicada ao esporte

Original Recibido: 28/03/2023 │ Aceptado: 30/06/2023

Neurociência aplicada ao esporte

Neuroscience applied to the sport

Nelson Kautzner Marques Junior. Mestre em Ciência da Motricidade Humana pela UCB. RJ. Brasil. [kautzner123456789junior@gmail.com] .

Resumo

O objetivo da revisão foi ensinar a como utilizar os conteúdos da neurociência pela aprendizagem motora durante o treino técnico e tático. O conhecimento do funcionamento do tipo de córtex cerebral (motor, pré-frontal e outros) facilita o técnico em estruturar e prescrever o treino técnico e tático. O conteúdo da memória e da hemisfericidade auxilia o técnico em efetuar a instrução do treino técnico e tático para o atleta. Em conclusão, a neurociência é muito importante para o treino técnico e tático.

Palavras Chave: esportes; treino; performance atlética; cérebro; aprendizagem motora.

Abstract

The objective of the review was to teach how to use neuroscience contents for motor learning during technical and tactical training. Knowledge of the functioning of the type of cerebral cortex (motor, prefrontal and others) facilitates the technician to structure and prescribe technical and tactical training. The content of memory and hemisphericity assists the coach in practice the technical and tactical training instruction to the athlete. In conclusion, neuroscience is very important for the technical and tactical training.

Keywords: sports; training; athletic performance; brain; motor learning.

Introdução

Quando o treinador estrutura as sessões, os microciclos e a periodização para o esporte de alto rendimento ele costuma estar embasado na bioquímica, na fisiologia do exercício, na cineantropometria, no treinamento esportivo, na biomecânica e na estatística. Porém, a aprendizagem motora costuma ser esquecida para estruturar e ser utilizada nas sessões do treino técnico e tático (Tani, 2002).

A aprendizagem motora atua para o professor entender como ocorre a aquisição e retenção de uma habilidade motora e/ou da tática e também visa o aperfeiçoamento desses quesitos no atleta e na equipe. A aprendizagem motora proporciona ao técnico o entendimento das respostas neurais referente ao treino técnico e tático. Essa disciplina da educação física auxilia ao treinador em ensinar uma técnica esportiva pelo tipo de prática (bloco, randômica e mista) e com o tipo de feedback (conhecimento de resultado e conhecimento de performance). A aprendizagem motora orienta como é a melhor maneira de realizar a instrução sobre as questões técnico e táticas para o atleta (Marques Junior, 2010).

A neurociência é o conteúdo básico da aprendizagem motora para o treinador entender como o cérebro atua durante o aprendizado ou aperfeiçoamento técnico e tático (Bear, Connors e Paradiso, 2002; Marques Junior, 2012). O conhecimento sobre o córtex cerebral permite ao técnico melhor compreensão como estruturar e prescrever o treino técnico e tático. A maneira que o técnico realiza a instrução do treino técnico e tático precisa estar embasada na neurociência, em especial na memória (Weineck, 1991). Outro importante conteúdo da neurociência que é utilizado na aprendizagem motora é a hemisfericidade, onde um dos hemisférios é o dominante no processamento mental (Marques Junior, 2009).

O objetivo da revisão foi ensinar a como utilizar os conteúdos da neurociência pela aprendizagem motora durante o treino técnico e tático.

Conteúdo básico da neurociência

Os métodos de treino foram criados e melhorados ao longo dos anos conforme a evolução do conhecimento científico. Atualmente é sabido que estruturar e prescrever o treino técnico e tático é necessário conhecimento científico sobre o cérebro do ser humano (Weineck, 1991). Esse conteúdo é a literatura básica da aprendizagem motora.

O sistema nervoso central é composto pelo encéfalo e pela medula espinhal, o encéfalo é constituído por quatro regiões que são o cérebro, o diencéfalo, o cerebelo e o tronco cerebral (Wilmore e Costill, 2001). O cérebro do ser humano possui hemisfério esquerdo e direito que pertence ao córtex cerebral. A figura 1 ilustra essas explicações.

A B











Figura 1. (A) Sistema nervoso central e (B) hemisfério esquerdo e direito (Extraído de Jacob et al., 1990).

O córtex cerebral possui quatro lobos com diferentes funções. O lobo frontal atua na motricidade e no aspecto intelectual, o lobo temporal funciona na audição, memória e emoção, o lobo parietal responde ao estímulo sensorial e o lobo occipital é responsável pela visão (Oliveira, 2005). A figura 2 apresenta os lobos do córtex cerebral.











Figura 2. Os quatro lobos do córtex cerebral (Extraído de Bear et al., 2002).

Em 1909 o neurologista alemão Korbinian Brodmann escreveu as áreas cerebrais conforme o seu funcionamento, cada área dessa se encontra em um dos lobos do córtex cerebral (Jacob et al. 1990).

O córtex motor se encontra na área 4 e 6, onde ocorre o comando do movimento, localizado no lobo frontal (Oliveira, 2005). No lobo parietal se encontra o córtex somatossensorial primário na área 1, 2, 3a e 3b, atuante na percepção das sensações (frio, dor, calor etc) (Marques Junior, 2012). O córtex parietal posterior se localiza no lobo parietal, nele estão a área 5 que atua na audição e a área 7 na visão, esse córtex tem função na atenção e na integração visual e somatossensorial. O córtex auditivo fica no lobo temporal na área 41 e 42 e o córtex visual está localizado no lobo occipital na área 17, 18 e 19 (Bear et al., 2002).

Por último temos o córtex pré-frontal que se encontra no lobo frontal na área 8, 9, 10, 11, 45 e 46 (Bear et al., 2002). O córtex pré-frontal tem importante atuação na cognição (percepção, tomada de decisão, antecipação motora, pensamento abstrato – a estratégia, habilidade para planejar o futuro e outros) (Marques Junior, 2012).

O córtex pré-frontal tem outras importantes funções, na elaboração do pensamento, na atenção, na idealização e adequação do comportamento em cada situação social ou física (Oliveira, 2005), na fluência verbal e não verbal, na integração de diversas fontes de informação e outros (Palacios, Borges e Andrade, 2012).

O cerebelo fica localizado abaixo do lobo occipital, sua função está relacionada com a coordenação, nos movimentos complexos, na precisão temporal, na monitorização e correção dos movimentos, no equilíbrio etc (Wilmore e Costill, 2001). Todas essas estruturas são expostas na figura 3.

A B





Figura 3. (A) Áreas de Brodmann de cada córtex e o (B) cerebelo (Extraído de Bear et al., 2002).

Uso da neurociência no treino técnico e tático

Os estudos da neurociência informaram que conforme a complexidade da tarefa o esforço cortical do cérebro é pequeno, médio ou alto (Bear et al., 2002, Chen et al., 2005). Esse mesmo raciocínio merece para o treino técnico, para o treino situacional e para o treino de jogo.

O treino técnico utilizado no atletismo e na natação migrou para os jogos esportivos (Gaya, Torres e Balbinotti, 2002). O mesmo tipo de trabalho é efetuado nas lutas, ele acontece na luta imaginária (no kata do karatê) e para melhorar biomecânica do golpe. O treino técnico a sua prática possui um aspecto mecânico com mínimo componente decisional (Garganta, 2002). Baseado nessas informações, esse tipo de trabalho exige mais do córtex motor com mínima participação do córtex pré-frontal, ou seja, é um trabalho cortical de pequeno esforço. Os demais tipos de córtex (somatossensorial, parietal posterior, auditivo e visual) também atuam nesse treino.

O treino situacional é exercitado em um momento do jogo ou da luta conforme a necessidade do treinador, ou seja, o jogo e a luta são decompostos para os atletas praticarem determinado aspecto dos seus respectivos esportes (Gaya et al., 2002). Esse trabalho exercita no atleta a técnica esportiva e a tomada de decisão (Garganta, 2002). Então, o esforço desempenhado no cérebro para efetuar o treino situacional é médio ou alto, ocorrendo grande exigência no córtex motor e no córtex pré-frontal. Os demais tipos de córtex (somatossensorial, parietal posterior, auditivo e visual) também atuam no treino situacional.

O treino de jogo ou o treino da luta é um exercício competitivo, podendo ocorrer igual ou similar a disputa (Marques Junior, 2010). O esforço do cérebro e o tipo de córtex mais solicitado é similar ao treino situacional, porém, ocorrendo um pouco mais de esforço porque o treino de jogo ou da luta não é possível ter um controle subjetivo da sessão.

H ipoteticamente, o esforço subjetivo do cérebro conforme o tipo de treino pode ter os valores expostos na figura 4.







Figura 4. Esforço subjetivo do cérebro do atleta durante o treino técnico e tático (Elaborado pelo autor).

Esse conteúdo serve para o treinador elaborar a sessão conforme as necessidades do atleta e de acordo com o esforço subjetivo no cérebro. Porém, o esforço subjetivo no cérebro merece pesquisa urgente porque é uma hipótese.

Outra maneira de utilizar a neurociência no treino técnico e tático é através do modo de explicar o conteúdo dessa sessão para o atleta.

A instrução do técnico durante o treino técnico e tático merece ser simples, clara, precisa e a explicação breve porque o atleta não possui capacidade para memorizar um longo conteúdo (Marques Junior, 2009). No máximo três informações são indicadas no treino ou na disputa, caso o treinador queira realizar mais orientações, o recomendável é esperar algum tempo e fazer nova instrução sobre as questões técnicas e táticas.

O motivo dessa preocupação da orientação técnico e tática está relacionada com a memória. A memória de ultracurta a duração tem retenção de 1 a 10 segundos por um período temporário, a memória de curto prazo possui retenção de 15 a 30 segundos ocorrendo uma baixa absorção do conteúdo, mas para a instrução técnica e tática ficar retida na memória do atleta é necessário adequado estímulo para se tornar memória de longo prazo (Weineck, 1991).

Outras questões podem afetar a instrução técnico e tática, merecendo atenção do treinador. As provas finais de um atleta ou o estudo intensivo podem prejudicar o esportista em absorver as informações do treino técnico e tático por causa do cansaço intelectual (Filin e Volkov, 1998). Atletas com sono prejudicado por muitos dias costumam ter baixa atenção, isso interfere na instrução do técnico referente ao treino técnico e tático para o esportista (Marques Junior, 2009). Outro problema do sono deteriorado é que a sonolência prejudica a memória do atleta e isso tende interferir a orientação do treinador durante o treino técnico e tático. Os exercícios de alta intensidade por longa duração afetam a capacidade cognitiva do esportista e esse problema no cérebro do atleta tende prejudicar na orientação do treino técnico e tático (Marques Junior, 2009).

Nos anos 60 o psicólogo estadunidense Roger Sperry iniciou os estudos da hemisfericidade. Hemisfericidade significa que a pessoa possui um maior processamento mental em um dos hemisférios. Geralmente 75 a 80% da população é bi hemisfério, mas um dos hemisférios possui preferência no processamento mental (Marques Junior, 2009). Enquanto que 20 a 25% das pessoas são mono hemisfério, o hemisfério esquerdo ou direito predomina no processamento mental. Para estabelecer a hemisfericidade basta o técnico efetuar o teste de CLEM. A figura 5 apresenta um jovem fazendo esse teste que estabelece a hemisfericidade.

Figura 4. Jovem jogador de futsal fazendo o teste de CLEM (Extraído de Marques Junior, 2009).

A pessoa de hemisfério esquerdo de processamento é apta para o pensamento intelectual, o pensamento racional, a tarefa verbal e o pensamento analítico (Marques Junior, 2009, 2010). Mas o indivíduo de hemisfério direito tem mais facilidade para a tarefa motora, informação não verbal, percepção espacial, pensamento criativo e artístico (Oliveira, 2005). Geralmente os atletas possuem predomínio do hemisfério direito de processamento mental porque os esportistas são aptos para atividades motrizes. Isso foi evidenciado em jovens jogadores do futsal, os atletas de hemisfério direito (HD) foram melhores no salto vertical em centímetros (cm) e na agilidade em metros por segundo (m/s) do que os jogadores de hemisfério esquerdo (HE) (Marques Junior, 2014). A figura 6 apresenta esses dados.















Figura 6. Performance nos testes conforme a hemisfericidade (Dados de Marques Junior, 2014 e gráfico elaborado pelo autor).

O técnico para orientar o treino técnico e tático para o atleta de hemisfério esquerdo precisa somente falar para esse esportista sobre a tarefa do treino (Marques Junior, 2010). Mas para o atleta de hemisfério direito é necessário o técnico mostrar como se faz a tarefa dessa sessão. Vemos esse procedimento no karatê de estilo shotokan quando o mestre fala e demonstra como executar a atividade, atendendo os dois tipos de hemisférios durante o treino técnico e tático.

Após a leitura desse artigo o leitor entendeu como usar a neurociência no treino técnico e tático.

Conclusões

O conteúdo básico da aprendizagem motora é a neurociência porque ela informa sobre os mecanismos neurais do cérebro. Quando a neurociência é usada no treino técnico e tático ela facilita ao técnico em estruturar e prescrever o treino técnico, o treino situacional e o treino de jogo. A neurociência ainda auxilia o treinador em efetuar a instrução do treino técnico e tático embasado no conteúdo da memória e da hemisfericidade para a orientação do exercício surtir mais efeito. Em conclusão, a neurociência é muito importante para o treino técnico e tático.

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